Se, depois da sua morte, quiserem escrever a sua biografia, não há nada mais simples. Tem apenas duas datas - a da sua nascença e a da sua morte. Entre uma e outra todos os dias foram seus.
Adapatação: "Se depois de eu morrer", Alberto Caeiro
Aqui, na Terra, a fome continua, A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme E dizemos amor sem saber o que seja. Mas fizemos de ti a prova da riqueza, E também da pobreza, e da fome outra vez. E pusemos em ti sei lá bem que desejo De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal, de olhos tensos, soletramos As vertigens do espaço e maravilhas: Oceanos salgados que circundam Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa Onde come, brincando, só a fome, Só a fome, astronauta, só a fome, E são brinquedos as bombas de napalme.
José Saramago, Os Poemas Possíveis, Lisboa, Editorial Caminho, 1981
Morreu Saramago. As "elites" não cessam de perorar sobre o Nobel. Enquanto bebia um café e comia um pastel de nata, desfilavam na tv, ao vivo e ao telefone, derramando sobre o dito cujo tanto quanto nunca se derramou sobre escritores maiores do que Saramago como, por exemplo, Jorge de Sena. Há uns anos Saramago entrou nos curricula liceais do regime e varreu a possibilidade de os meninos e de as meninas conhecerem literatura portuguesa aproveitável ou sofrível. A "oficialização" cultural de Saramago começou quando, estupidamente, lhe proibiram um livro num concurso qualquer. O Nobel, festejado pela paróquia provinciana como uma vitória internacional no futebol, acentuou o carácter quase místico da figura que, daí em diante, passou a tratar abaixo de cão qualquer poder politico que não o bajulasse adequadamente. O que afinal subsistiu em relação a Saramago foi o velhinho temor reverencial de um país com lamentáveis "tradições" culturais que, entre outros, fez de Saramago um "símbolo". E é esse que vai ser exibido por estes dias. Poucos ou nenhuns recordarão o pequeno tirano do Diário de Notícias ou a seca vaidade vingativa da criatura. "A morte absolve tudo", como ensinavam os latinos, mas nem tudo é absolvível pela morte. Paz à sua alma.
Mofina, se bem te conheço, e como conheço, o que tu querias dizer é que lamentavas não saber pensar assim. Mas minha querida, eu andei nos fusos e assentei praça nos Carvalhos!!
A cada qual, como a 'statura, é dada A justiça: uns faz altos O fado, outros felizes. Nada é prêmio: sucede o que acontece. Nada, Lídia, devemos Ao fado, senão tê-lo.
O melhor prosador português do séc. XX, para mim, é José Cardoso Pires. Mas Saramago não é mau e, em todo o caso, é infinitamente melhor do que a imagem que dele hoje deram os órgãos de comunicação social.
Penso que disse tudo o que tinha a dizer sobre Saramago na adaptação que fiz do poema de Alberto Caeiro. Recuso-me a debitar, por debitar, palavras que no seu conjunto dirão nada mais do que o que já foi dito dele em vida, por mim e por muitos outros. Deixo os comentários inteligentes para pessoas inteligentes e que sabem as palavras. Ok, Jg?!
10 comentários:
:-))
Fala do velho do Restelo ao astronauta
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
José Saramago, Os Poemas Possíveis, Lisboa, Editorial Caminho, 1981
Hoje há luto na caserna.
Morreu Saramago. As "elites" não cessam de perorar sobre o Nobel. Enquanto bebia um café e comia um pastel de nata, desfilavam na tv, ao vivo e ao telefone, derramando sobre o dito cujo tanto quanto nunca se derramou sobre escritores maiores do que Saramago como, por exemplo, Jorge de Sena. Há uns anos Saramago entrou nos curricula liceais do regime e varreu a possibilidade de os meninos e de as meninas conhecerem literatura portuguesa aproveitável ou sofrível. A "oficialização" cultural de Saramago começou quando, estupidamente, lhe proibiram um livro num concurso qualquer. O Nobel, festejado pela paróquia provinciana como uma vitória internacional no futebol, acentuou o carácter quase místico da figura que, daí em diante, passou a tratar abaixo de cão qualquer poder politico que não o bajulasse adequadamente. O que afinal subsistiu em relação a Saramago foi o velhinho temor reverencial de um país com lamentáveis "tradições" culturais que, entre outros, fez de Saramago um "símbolo". E é esse que vai ser exibido por estes dias. Poucos ou nenhuns recordarão o pequeno tirano do Diário de Notícias ou a seca vaidade vingativa da criatura. "A morte absolve tudo", como ensinavam os latinos, mas nem tudo é absolvível pela morte. Paz à sua alma.
E ficamo-nos por aqui. Ok Blimunda?
JG, lamento que penses assim e continues a beber café com pastéis de nata. Tb fumas?
Mofina, se bem te conheço, e como conheço, o que tu querias dizer é que lamentavas não saber pensar assim.
Mas minha querida, eu andei nos fusos e assentei praça nos Carvalhos!!
A cada qual, como a 'statura, é dada
A justiça: uns faz altos
O fado, outros felizes.
Nada é prêmio: sucede o que acontece.
Nada, Lídia, devemos
Ao fado, senão tê-lo.
[Ricardo Reis]
O melhor prosador português do séc. XX, para mim, é José Cardoso Pires. Mas Saramago não é mau e, em todo o caso, é infinitamente melhor do que a imagem que dele hoje deram os órgãos de comunicação social.
Branquinho da Fonseca - esquecido e ignorado - escreveu pouco. Mas o que escreveu também é do melhor que em Portugal se escreveu no séc. XX.
Penso que disse tudo o que tinha a dizer sobre Saramago na adaptação que fiz do poema de Alberto Caeiro. Recuso-me a debitar, por debitar, palavras que no seu conjunto dirão nada mais do que o que já foi dito dele em vida, por mim e por muitos outros. Deixo os comentários inteligentes para pessoas inteligentes e que sabem as palavras. Ok, Jg?!
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