Teria que esperar hora e meia para que os serviços aprontassem a medicação. Resolvi dar uma volta pela cidade e espreitar as montras. Não é programa que me anime substancialmente mas antes isso que assistir à infindável passerelle de enfermos orgulhosamente ostentando maleitas e gloriando-se dos sofrimentos da carne. Comecei por direccionar a minha atenção para os óculos de sol – debilidade a quanto obrigas?! – eram bonitos, modernos, verifiquei o preço, sorri à vendedora e dei meia volta! Como é que é possível? Nada mais nada menos que um salário mínimo nacional! Vão-se prejudicar! Continuarei a fazer a minha homenagem ao Lennon usando os óculos que tenho há mais de 10 anos e a observar montras. Este ano o lilás está na moda. E as calças de ganga voltaram a ser largas em baixo, boa! Os olhos atentaram-se-me nuns calções de banho para homem. A “saison” aproxima-se e impõe-se a substituição dos indispensáveis acessórios desbotados de tanto uso. Aproximei-me mais da montra para me assegurar de que não tinha visto mal. Pensei: PQP! Não pode ser! 168,50 €? Uns calções de banho? Não são mais que uns 50 cm de largo (digo eu que não percebo nada de costura) de pano a fazer lembrar o tecido das barracas de aluguer que se enfileiram nos areais! E muito provavelmente importados da China! Chega! Recuso-me a ver mais e volto para trás envolta em pensamentos. Poupar-vos-ei à sua natureza. Agora diz-me tu, Teresa, como consciencializar as pessoas de que não é usando trapos e quinquilharias com as palavras Burberry, Prada, Dolce Gabana ou o diabo que os carregue, apostas nas etiquetas que serão melhores pessoas “por dentro”? Seria necessário reinventar o essencial para que o acessório e a vã glória do fruir não continuassem a governar-nos.
12 comentários:
Acho que a bendita crise vai dar uma ajudinha para perceber o que é importante e essencial. Agora estou super-aflita (para variar) mas quando tiver tempo deixo-te aí uns links para veres que não são só utopias minhas. Há cada vez mais gente a abrir os olhos, são poucos mas são cada vez mais, e cada vez mais visíveis.
É preciso acreditar, senão onde vamos parar? :)
Acho uma tremenda mariquice, para não dizer pior, um homem usar calções de banho de marca.
De marca só se fosse Black&Decker, Stanley, Rubi, Belota e por aí fora.
Afinal uns calções de banho não passam de uma mala de guardar a ferramenta.
Vá lá, tolero a D&G (Doze e uma Cabana).
Tanto pano para quê, se estamos em crise? Viva a tanga!
Ora JG! Não disfarces atirando com a robustez de marcas como a Black&Decker a lume quando se sabe que qualquer "Petit Patapon" consegue guardar a apelidada ferramenta!
E os cabelos brancos também se devem à crise ou é apenas uma questão de aparente maturidade?
Obviamente imaginei os calções em água fria, ó lorpa!!
Esqueci-me de salvaguardar a malta que os usa de manhã à noite.
Já devias saber que falo apenas por mim. Cada um(a) que se queixe conforme lhe der na veneta.
Há calções mais giros por muuuuuito menos dinheiro. É escolher as montras!
Deixa ver se te consigo dar uma resposta convincente ;)
Considerando a tua pergunta 'poderemos re-inventar o homem e as relações sociais?'
A um nível individual claro que sim, a vida é um processo em que nos re-inventamos e à nossa relação com a realidade. Mas isto é um ponto de vista muito pessoal, e a discussão dava pano para mangas, para posts, para blogs...
Mas parece-me que a tua pergunta se referia a um nível colectivo, porque pouco ou nada muda se não forem muitos a mudar. Provavelmente não podemos exigir que dum momento para o outro a maioria da humanidade ultrapasse aquilo que sempre foi o seu maior desafio, prescindir do apego ao poder e à posse como forma de se defender da ilusão e da fraqueza. Foi isso que nos trouxe à beira do descalabro ambiental e social, e foi isso que acabou por transformar a nossa era naquilo que alguns já chamaram de Idade do Folhetim (Herman Hesse, O Jogo das Contas de Vidro), a Era da estupidez, a Era da insensatez. Muitos acham, como eu também acho, que se chegou ao fim da linha, ou que se passou mesmo para lá dos limites. Mas quando se bate no fundo há duas hipóteses: ou nos destruímos, ou mudamos de sentido. Alguns acham que estamos à beira da auto-destruição, outros acham que temos a oportunidade perfeita para dar um grande passo para a humanidade. E esta última hipótese é a utopia.
Não sei o que lá vem, mas naturalmente prefiro acreditar na utopia. Não sei se me estou a agarrar aos destroços de um navio naufragado, mas parece-me que não há mesmo alternativas aceitáveis. E há muita gente que vem trabalhando por formas de viver diferentes, até agora pouco visíveis, mas cada vez com mais aceitação.
Desde há alguns anos que crescem os movimentos de reacção ao modo de vida consumista, à classificação da qualidade de vida com base na abundância material e no consumo cego e insustentável. Movimentos como os da simplicidade voluntária, que têm como mote 'tenha menos, viva mais' defendem modos de vida com base no baixo consumo de recursos, na valorização da vida humana pela forma em como o homem se relaciona harmoniosamente com o ambiente, com os outros seres e com o tempo. Há alguns anos o reino do Butão adoptou um conceito que teve uma grande repercussão no ocidente, o da Felicidade Interna Bruta, por oposição ao Produto Interno Bruto, recusando o modelo de desenvolvimento baseado no crescimento material e no consumo. Muitos destes conceitos têm inspiração na filosofia budista, que influencia cada mais gente no materialista ocidente, e esta filosofia baseia-se precisamente na busca da 'felicidade' ou do sentido da vida, através do desapego das ilusões, nomeadamente da segurança material. De forma mais ou menos inconsciente, estes conceitos vão penetrando nas mentalidades ocidentais. O crescimento das prateleiras de livros de desenvolvimento pessoal nas livrarias são um bom sinal disto, e uma boa parte deles têm influência mais ou menos directa da espiritualidade oriental (e muitos deles são lixo, mas isso já é outra conversa).
Mas mesmo dentro da tradição ocidental há muito que há grupos que adoptam um modo de vida frugal, e rejeitam o consumismo, a posse como objectivo de vida, e mesmo a tecnologia, como os amish, e os quakers. Há quem argumente que muita gente abandone esses grupos, mas eu acho surpreendente é que eles continuem a existir, apesar das regras morais apertadas a que se submetem os membros da comunidade. E o interessante é que eles são cada vez mais frequentemente citados como modelos de vida sustentável. Há outros grupos, que sem se separarem de uma forma tão evidente da sociedade, adoptam uma filosofia diferente, como por exemplo a sociedade antroposófica, que além de uma filosofia espiritual, tem comunidades em que se aplicam na prática os princípios de ligação com a terra e com a natureza, a educação baseada no desenvolvimento pela arte, formas de arquitectura 'orgânica', etc.
De uma forma mais prosaica, a necessidade de adoptar um outro estilo de vida vai-se tornando cada vez mais visível, ao nível da organização das comunidades, do desenvolvimento tecnológico (e esta dava azo a uma catrefada de links que tenho por aí perdidos já nem sei onde), das perspectivas empresariais, e de formas alternativas de desenvolvimento nos países mais pobres, que podemos apoiar directamente e sem o carácter hipócrita que tem muitas vezes a caridade e a ajuda, através do comércio justo.
Esta crise está a ter o condão de abanar as pessoas, de as fazer acordar, por vezes de uma forma forçada, para a necessidade de abandonar o individualismo e começar a valorizar a interdependência com os outros seres com que partilhamos este mundo, sejam humanos, sejam os outros seres vivos ou espaço físico, com os seus limites e restrições. É um movimento que cresce a olhos vistos. Não sei se vamos a tempo, mas espero que sim.
E pronto, lá foi mais um comentário quilométrico, para compensar o tempo que fico calada. Depois de tanto palavreado não me digas que não convenci, nem um bocadinho ;)
Isto é que é pano para calções...
Tenho algumas “dúvidas” (não é a palavra exacta, mas...). A pergunta é simples: Todas essas formas alternativas de vida não serão tb produtos de consumo? E como podem chegar até nós sem se “desvirtuar”? O Yoga, por exemplo, não será uma moda para muita gente?
Desculpa, só estou a expressar a minha tosca e ignorante opinião.
Na idade do folhetim tudo se pode desvirtuar... como o ioga tem sido, claro. Mas não necessariamente. E são as sementes que estão a germinar, e vão crescer quando o clima for favorável, ou seja, quando a necessidade o obrigar. Bem, esta conversa dá para mais uma fábrica de calções, agora tenho mesmo que ir tratar da poaceira, depois volto cá, se quiseres ler mais um testamentozito ;)
Teresa respondo-te de uma forma muito simples: faz-me o favor de colocar este comentário quilométrico em post. E se tens mais testamentos destes na manga não os ponhas em comentário mas sim em post, por favor.
Pois é, podia pôr em post, assim sempre faço alguma coisa pelo blog antes que vocês me rifem como fizeram à jardineira ;)
Bem, a sério, ok, amanhã ponho em post, mais a resposta que prometi à Mofina. A manga anda um cadito rota, gasta, cansada, como já te disse... mas não há de durar para sempre.
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