quinta-feira, 1 de julho de 2010

E A "SAGAMARO" CONTINUA

Em Portugal, na aldeia medieval de Monsaraz, há um fresco alegórico dos finais do século XV que representa o Bom Juiz e o Mau Juiz, o primeiro com uma expressão grave e digna no rosto e segurando na mão a recta vara da justiça, o segundo com duas caras e a vara da justiça quebrada. Por não se sabe que razões, estas pinturas estiveram escondidas por um tabique de tijolos durante séculos e só em 1958 puderam ver a luz do dia e ser apreciadas pelos amantes da arte e da justiça. Da justiça, digo bem, porque a lição cívica que essas antigas figuras nos transmitem é clara e ilustrativa. Há juízes bons e justos a quem se agradece que existam, há outros que, proclamando-se a si mesmos justos, de bons pouco têm, e, finalmente, não são só injustos como, por outras palavras, à luz dos mais simples critérios éticos, não são boa gente. Nunca houve uma idade de ouro para a justiça.
Hoje, nem ouro, nem prata, vivemos no tempo do chumbo. Que o diga o juiz Baltasar Garzón que, vítima do despeito de alguns dos seus pares demasiado complacentes com o fascismo sobrevivo ao mando da Falange Espanhola e dos seus apaniguados, vive sob a ameaça de uma inabilitação de entre doze e dezasseis anos que liquidaria definitivamente a sua carreira de magistrado. O mesmo Baltasar Garzón que, não sendo desportista de elite, não sendo ciclista nem jogador de futebol ou tenista, tornou universalmente conhecido e respeitado o nome de Espanha. O mesmo Baltasar Garzón que fez nascer na consciência dos espanhóis a necessidade de uma Lei da Memória Histórica e que, ao abrigo dela, pretendeu investigar não só os crimes do franquismo como os de outras partes do conflito. O mesmo corajoso e honesto Baltasar Garzón que se atreveu a processar Augusto Pinochet, dando à justiça de países como Argentina e Chile um exemplo de dignidade que logo veio a ser seguido. Invoca-se aqui a Lei da Amnistia para justificar a perseguição a Baltasar Garzón, mas, em minha opinião de cidadão comum, a Lei da Amnistia foi uma maneira hipócrita de tentar virar a página, equiparando as vítimas aos seus verdugos, em nome de um igualmente hipócrita perdão geral. Mas a página, ao contrário do que pensam os inimigos de Baltasar Garzón, não se deixará virar. Faltando Baltasar Garzón, supondo que se chegará a esse ponto, será a consciência da parte mais sã da sociedade espanhola que exigirá a revogação da Lei da Amnistia e o prosseguimento das investigações que permitirão pôr a verdade no lugar onde ela tem faltado. Não com leis que são viciosamente desprezadas e mal interpretadas, não com uma justiça que é ofendida todos os dias. O destino do juiz Baltasar Garzón é nas mãos do povo espanhol que está, não dos maus juízes que um anónimo pintor português retratou no século XV.
E como a saga tem que continuar porque viuvas também comem, no fim da publicação tão-só o link: http://www.josesaramago.org/detalle.php?id=851.
P.s: Esqueceram-se foi de consultar o post da Blimunda do dia D, senão não seria necessário tanto papel.

5 comentários:

mac disse...

Olá, Blimunda, Mofina, Teresa e etérea DD.

António Conceição disse...

De todos os juízes que conheço ou de que ouvi falar, há um que não merece esse título: Baltasar Garzón. Esse moço não percebeu que há uma diferença essencial entre ser JUIZ e ser um mero justiceiro. O papel do juiz é aplicar o Direito contra o torto. Garzón limitou-se a ser um reles psicopata da consideração social politicamente correcta. Por ser psicopata da consideração social, perseguiu Pinochet. Por se limitar a preocupações politicamente correctas, não perseguiu Eduardo dos Santos ou Fidel Castro, bandidos bem piores do que Pinochet.
Se de algum juiz se pode dizer que tem duas faces, esse juiz é Garzón.

Blimunda disse...

Muito honestamente devo dizer que não conheço pormenores da actuação de Baltasar Gárzon para poder contrariar o que diz sobre ele. Limitei-me a transcrever um texto publicado no "Caderno de Saramago", julgo que escrito pelo próprio. Conheço, no entanto, consideráveis relatos da actuação de Pinochet e alguns da de Eduardo dos Santos e de Fidel. Reconheço, Mestre, que, provavelmente serão estes diminutos para me facultarem a capacidade de entendimento desta sua observação:

"Por se limitar a preocupações politicamente correctas, não perseguiu Eduardo dos Santos ou Fidel Castro, bandidos bem piores do que Pinochet".

Quem sabe, com os seus afiançados conhecimentos, possa ajudar-me a entendê-la.

Blimunda disse...

Olá, Mac, bom dia!

jg disse...

Tri, viste ontem à noite a prestação do Marinho Pinto na SIC Notícias?!
É que não ouço um único comentário na blogosfera sobre o assunto.
Cambada de tótós.
Dá Deus nozes a quem não tem dentes...