quinta-feira, 17 de junho de 2010

UMA AULA DE DIREITO

Peço aos meus amigos jurisconsultos, Funes, Saphou, Jama. PBL, 100anos, que me permitam uma questão que esta coisa da jurisprudência baralha-me a cabecinha toda e eu preciso dela bem organizada.

Parece que o estado terá sido absolvido de pagar a módica indemnização de 130.000 euros ao ilustre deputado PP, indemnização essa requerida na sequência da sua prisão preventiva durante quatro meses e meio por alegado envolvimento no caso Casa Pia. Agora pergunto eu que não percebo nada disto: Se o estado foi absolvido significará que a sua prisão terá sido justa porquanto é culpado apesar de ter a justiça falhado a justiça quando o ilibou dos crimes de que foi acusado ou é inocente e, nesse caso, a sua prisão efectiva foi, manifestamente, injusta e caber-lhe-ia ser indemnizado? Em que é que ficamos?

15 comentários:

pbl disse...

Significa tão somente que não foram demonstrados os pressupostos da responsabilidade do Estado, que, infelizmente, eram muito, muito estreitos.
Só se pode extrair isso dessa absolvição.
Se bem que há quem ache o contrário, face a certas proposições dessa famosa Decisão.
Cheguei a lê-la (ainda que na vertical), mas não a guardei.
Não deve ser difícil de encontrar, se tiver curiosidade.

jg disse...

Não acredito que alguém acusado de cento e tal crimes, possa ser completamente ilibado.
No entanto a prova, essa puta esguia, dificilmente consegue ser exposta em julgamento apesar de todos tropeçarmos nela nas pedras da calçada.
Feito o balanço, ficou ela por ela.
O gajo malhou cinco meses na choça, o Estado não lhe dá um tusto e, recorra ele para onde recorrer, independentemente do final que venha a ter, não se livra da fama de enrabador de putos.
Já é alguma coisa.
Tudo o resto é palavreado que o tempo acabará por diluir e remeter ao esquecimento.
Não fui convocado a dar parecer mas, como diz o poeta caçador cá da terrinha candidato a PR, a mim, ninguém me cala!

100anos disse...

Olá Blimunda,
Há aqui vários aspectos a considerar:
Uma coisa é um tipo ser absolvido em tribunal por se ter provado, para além de qualquer dúvida razoável, que não cometeu o crime de que vinha acusado.
Outra coisa é o tipo ser absolvido por falta de prova ou por uma qualquer tecnicalidade – uma escuta que não pode ser ouvida, uma confissão feita fora de tempo, um depoimento de uma testemunha em sede de inquérito que depois não declarou a mesma coisa no julgamento, enfim, há um sem número de situações em que na convicção do julgador fica a certeza de que o arguido cometeu o crime, mas por alguma razão técnica ele não pode ser condenado.
No caso de PP parece, segundo vi nos jornais, que uma série de miúdos abusados declararam reconhecer a sua fotografia mas consta que essa fotografia foi considerada de má qualidade e sem nitidez que pudesse levar a uma mais forte convicção.
O Estado só tem a obrigação de indemnizar o inocentado que esteve preso se essa prisão for ordenada/mantida com negligência grosseira.
Imagine uma situação: a Blimunda vai visitar uma amiga de longa data e até tem a chave da casa dela; chega lá, toca à porta e ninguém responde, mas o carro dela está estacionado nas proximidades e a Blimunda sabe que ela sai sempre de carro; fica intrigada e resolve meter a sua chave à porta e entra; dá com ela coberta de sangue a pedir ajuda e claro que a vai ajudar, mas ao prestar essa ajuda a Blimunda fica suja de sangue e as suas roupas ficam em estado lastimoso; a sua amiga entretanto morre; quando se prepara para telefonar a pedir ajuda a polícia chega em alta correria porque tinha sido avisada antes por um telefonema anónimo que alguma coisa de esquisito se passava na casa da sua amiga; é encontrado um bilhete aparentemente manuscrito pela sua amiga que diz uma coisa no género “zanguei-me a sério com a Blimunda, ela é tramada e não perdoa, se eu aparecer morta de certeza que ela será a culpada”.
Bom, estão reunidos todos os indícios que apontam para a sua culpabilidade e lá vai a pobre da Blimunda presa em prisão preventiva pelo crime de homicídio.
Entretanto, no decurso da investigação policial, descobre-se que o bilhete era forjado e que a Blimunda foi vista na rua à porta da casa da sua amiga a uma hora em que ela já estaria muito ferida de acordo com a perícia médico-legal.
A Blimunda é libertada – mas esteve presa e bem presa, passe a expressão, porque todos os indícios apontavam para a sua culpabilidade, não se verificou nenhuma negligência na sua prisão.
Nessas condições, inexistindo negligência na prisão, dificilmente o Estado poderá ser responsabilizado pelo pagamento de uma indemnização.
Este é (segundo penso, e olhe que não sou especialista, portanto daqui poderá sair bojarda) o regime legal que está em vigor.
Há países que estabelecem uma indemnização tabelar para todos aqueles que estiveram presos e acabam por não ser condenados, mas esse não é ainda o caso entre nós.

100anos disse...

Aditamento: eu bem avisei que não era especialista.
Acabo de ler um texto de uma Colega minha, que essa sim percebe à brava da poda, que defende ser a Constituição directamente aplicável a qualquer caso de prisão preventiva que não tenha redundado em condenação, sendo inaceitáveis as limitações legais às condições em que tal acontece.
Segunda essa distinta jurista existe uma norma internacional segundo a qual em qualquer caso a prisão não seguida de condenação deve ser sempre indemnizável (Dec. Univ. dos Dir. do Homem); ora existe na Constituição portuguesa uma cláusula de recepção automática do direito internacional comum no que toca aos direitos e liberdades individuais, pelo que a legislação ordinária portuguesa (que restringe o direito à indemnização grosso modo aos casos em que tenha havido negligência grosseira ou em que a detenção tenha sido manifestamente ilegal) é inconstitucional se interpretada naquele sentido limitador.
O raciocínio é extremamente convincente.
Assim, retiro o que disse e manifesto apenas a intenção de ir estudar melhor o assunto, por razões que mais tarde (mas só bem mais tarde) poderei revelar.

Mofina disse...

Só falta o Funes, mas cuidado amiga, esse leva caro! E nem sei se passa recibo.

Blimunda disse...

Que só falta o Funes? Então e a Saphou e o Jama? Não te apoquentes, Mofina, que eu tenho conta corrente aberta com o Mestre.

Estou a gostar imenso desta aula. Quando fôr grande vou saber à brava de Direito.

Anónimo disse...

No meio disto tudo, Blimunda, o melhor é não se estar no sítio errado à hora errada
coisa que com a justiça, ando sempre a pedir aos santinhos da predilecção de todos aqueles que acreditam em santinhos

Anónimo disse...

jg!

sem querer estar de lado nenhum, como é que uma figura pública não é recobhecida ao se mostrar uma fotografia, seja lá a quem for?

privada disse...

Na eventualidade de PP estar inocente, isto seria tragico, nao o conheço enquanto figura publica, ou politica, conheço apenas deste processo, e sou apologista da carta que garante, antes um assassino solto, que um inocente preso.

Nao se provou e devia-se ter provado, k é ke ele tem a ver com isso, ele não é legislador, nao se provou tem direito, a meu ver, à reposição do seu bom nome.

Isso de suspeitas aceitaveis, não se deve aceitar num país k se diz democratico, digo eu.

Blimunda disse...

Tens razão, Marta, embora não saiba se neste caso se aplica.

Já agora, agradeço ao PBL e ao 100 pelos seus pareceres. A mim, parece-me que "Justiça" é um termo efémero por demais!

Blimunda disse...

Ah, e também agradeço aos meus amores do coração - Privadjinha e Jotaquê. Que a eles ninguém os cale!

Anónimo disse...

Pois é, a pergunta não era para o jg, era para a 100anos.
O que faz a merda da idade
sorriso

jama disse...

Ontem, cerca das 14 horas, quando estava a comentar este seu post, recebi uma notícia terrível. Comentarei logo que me recomponha.

jama disse...

Pedindo desculpas pelo atraso na consulta escrita, mas ciente de que ainda estou em prazo (porquanto, na falta de norma especial, aplica-se o prazo supletivo legal, que é de 10 dias seguidos), mesmo não invocando factos integradores de justo impedimento (que realmente se verificaram), apresto-me ao presente comentário.
Antes de mais, e para que não haja quaisquer suspeitas da falta de isenção, deixo expresso que: há mais de 20 anos, o PP foi meu colega de docência durante alguns uns meses (fizemos a entrevista para “primeiro emprego” no mesmo dia, começámos a trabalhar no mesmo dia e saímos desse “primeiro emprego” quase na mesma altura); foi o melhor colega que tive nessa escola; nunca mais o encontrei. Feita esta “declaração de interesses”, vamos à consulta.
Em termos concretos, do processo só sei o que tem vindo a ser noticiado nos órgãos de comunicação social, mas o que a Blimunda quer saber é o que pensamos da questão em termos gerais e abstractos.
Ora, não tenho dúvidas de que, à luz da consciência ética jurídica geral, o Estado que coarcta a liberdade a uma pessoa, sujeitando-a a prisão preventiva, e depois não consegue sequer demonstrar a existência de indícios (não de provas, mas de meros indícios) que permitam submeter essa pessoa a julgamento, deve ser responsabilizado.
Se se verificar que não existe norma que permita responsabilizar o Estado de forma directa, então é porque o Estado violou, por omissão, o seu dever de legislar na protecção de direitos fundamentais. Por conseguinte, se não existir uma norma legal que permita a responsabilização do Estado nos casos em que, por erro, se sujeita alguém à prisão, sempre o Estado teria de ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes da omissão do dever de criar normas que protegessem os direitos daqueles a quem tivesse sido ilegalmente aplicada tal medida de coacção (prisão).
Receio que entendimento diverso acabe por dar razão às pessoas que passam a vida a ostentar a bandeira dos corporativismos. Não devemos ter receio de assumir que o Estado deve ser responsabilizado pelos prejuízos que causa na aplicação da justiça, e não apenas quando comete erros que, mais do que grosseiros, são até inconcebíveis num país minimamente desenvolvido (v.g., quando um sujeito é mantido na prisão durante mais de 8 meses, e só no fim desse tempo é que a justiça verifica que a prisão desse sujeito resultou de um lapso na sua identificação – até as unhas dos pés doem só de pensar-se que isto é possível, não é verdade?).

Blimunda disse...

Por alguma razão o apelidam de "conceituadíssimo", não é Jama? Obrigada.