
Uma jarra de flores frescas, um boquet em forma de roda e umas quantas velas acesas embelezavam - se assim se pode chamar ao efeito que o conjunto produziu encostado ao sinal de sentido obrigatório - pela manhã o dito malfadado cruzamento. Estar-se-ia em pleno direito de dizer, caso se tratasse de outro tipo de artigos que não flores acompanhadas de velas, cobras e lagartos. Mas não. Eram mesmo flores, daí não ser de bom-tom dizer-se cobras e lagartos e outros seres rastejantes a preceito. O que eu não queria de forma alguma era maldizer os sentimentos de quem sente a morte de alguém próximo. Também não queria avaliar o quilate dos símbolos, pois se todos nós vivemos agarrados às mais variadas simbologias. Mas caramba! Flores encostadas a rochedos que deixaram escapar farpas mortais arrancadas do seu porto seguro por marés vivas demolidoras? No meio de cruzamentos ou eixos rodoviários que implacavelmente levam a vida dos nossos? Encostadas a gradeamentos que encerram mansões luxuriosas enlutadas ou jardins de zonas residenciais nas quais em vida se viu viver alguém que morreu? Pode até lavar a alma sofredora dos que cá choram as vidas que foram mas, para mim, serve muito melhor o comércio floricultor. Não há dor da perda de alguém querido que se possa amenizar com qualquer flor, palavra, missa ou sorriso. De nada servem os símbolos, a nada servem as flores senão, talvez, a embelezar a vaidade própria de nos sentirmos e mostrarmos infelizes.
3 comentários:
Dizes isso porque é um cruzamento, se fosse uma rotunda, provavelmente ate achavas mais giro e natural do que as obras de arte que costumam lá colocar.
Digo isso porque é verdade, pá!
Blimunda, directo aos queixos como de costume...
Há anos que digo que a dor da perda de alguém é, na maioria dos casos pelo menos, uma dor egoísta. Chora-se porque nos falta quem partiu, não é exactamene chorar com pena de quem partiu...
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