Lembro-me que havia um rio onde, quase todos os dias, logo pela manhã, íamos ver como corria a vida. Purificávamos os pés e as mãos, só assim podíamos mergulhar até ao fundo do riso e de uma certa memória muito memoriosa, tão repleta de ficções quanto de desconcertantes realidades. E depois disto e daquilo, o poder de encaixa ficava um pouco mais desafinado. Por precaução, recolhíamos as palavras no resto da couve. Não me digas nada, a tua identidade é privada e está protegida, podes ser a personagem limpa que não precisa de mostrar o rosto nem o perfil. Conhecíamo-nos sem restrições, pelo olfato da escrita, alguma vezes ouvíamos música, a casa dos discus habitava o céu da boca, os peixes andavam sempre à solta, sem a solidão das pedras. Lembro-me, foi há cem anos que as páginas começaram a cair do livro, uma história de comentários lentos, de parágrafos impregnados de chocolate e perfume de flores. Éramos aprendizes imperfeitos e fazíamos amizades que se entrecruzavam, descoberta a descoberta, blogue a blogue.
Lembro-me do rio, talvez fosse nostalgia, raiva, confusão, conflito ou harmonia. Funes sabe que a felicidade é uma coisa pequena. Às vezes é um simples pote de azeite que se parte pelo caminho. A pastora imprudente também anda não se sabe por onde, numa passarola que explode de repente, suspeita-se de um ataque terrorista, mas Washington desmente através da porta-voz brasileira. É tudo um arquivo desgovernado, será necessário analisar a alma de cada pessoa, o seu peso atómico, o seu software, as suas figuras de estilo.
Existe rio. E a mãe do menino azul defende o rio, faz dele a sua causa, empunhando cartazes de luto, de morte. Os peixes, esses, mordem a língua porque já não há como voltar atrás, ao futuro que se pode apagar, basta introduzir o código.